Carlos Alberto Di Franco

Liberdade de expressão - valor inegociável

Carlos Alberto Di Franco
Bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra
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Bons propósitos não justificam meios ilegais ou antiéticos. É isso que, infelizmente, estamos assistindo. Usando como pretexto os criminosos atos de depredação contra as sedes dos Três Poderes em Brasília, o governo Lula deve enviar ao Congresso pacote com medidas supostamente para coibir novas ações de vandalismo contra as instituições.

O pacote deve priorizar quatro eixos: emenda constitucional para criar a Guarda Nacional; medida provisória sobre internet; e dois projetos de lei, um para aumentar penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, e outro para agilizar a perda de bens para quem participa de crimes contra o Estado. Um conjunto de medidas pouco alinhadas com as práticas das democracias maduras e com visível afinidade com sistemas autocráticos. O mimetismo não teve sequer a preocupação de disfarçar: Guarda Nacional está, por óbvio, inspirada na Guarda Nacional Bolivariana da Venezuela. Medida desnecessária e de alto risco, que pode criar exército paralelo sob comando do Executivo. Deixa de ser força de Estado para satisfazer demandas do governante.

O Congresso Nacional ficou calado e não assumiu o protagonismo que lhe cabia na proteção da democracia. Como o poder não admite vazios, o governo ocupou. O procurador-geral da União, Marcelo Eugênio, confirmou que o governo do presidente Lula vai atuar para pedir a exclusão das postagens que considerar desinformativas. Iniciativa de alto risco para a liberdade de expressão, garantia maior da Constituição. Qual conceito será adotado para definir o que é ou não desinformação? Quem vai empunhar a tesoura da censura? O governo? Assim começaram as ditaduras. Motivos aparentemente legítimos, mas intenções opacas. A liberdade de expressão acaba sendo sufocada em nome da defesa do Estado Democrático de Direito. Já vimos isso no Brasil. E não queremos de novo. Lula é inteligente. Sabe que o poder, mesmo despótico, é sempre temporário, mas a biografia é definitiva.

O que preocupa é a crescente sintonia de ideias heterodoxas sobre a liberdade de expressão que existe no Executivo e no Judiciário. Isso começa a ser percebido por importantes veículos no exterior. O governo Lula foi precedido por medidas extravagantes do STF, particularmente do ministro Alexandre de Moraes.

Alexandre de Moraes, em que pese meu respeito por sua pessoa e cargo, é, hoje, um dos ministros cujas ações mais têm contribuído para corroer as liberdades democráticas, graças à sua condução dos abusivos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das "milícias digitais". O verdadeiro problema, implícito nas falas de Moraes, é que o Judiciário parece disposto a se tornar o que não pode: árbitro do que é manifestação de opinião ou do que é fake news.

O inquérito das fake news não poderia ter sido sequer instaurado, pois tem como base o artigo 43 do Regimento Interno do STF: "Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro". Uma vez que as infrações teriam consistido - não se sabe ao certo - em críticas, insultos e deboches dirigidos aos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nas redes sociais, não há cabimento para instauração do inquérito.

A gravidade dos vícios de origem tem sido unanimemente apontada por vários juristas, procuradores e estudiosos do Direito. A relativização disso em face de problema que se procura combater significa o abandono completo do princípio de que os fins não justificam os meios. Se apenas porque o pretenso "inimigo" é alguém cuja conduta se considera reprovável nos damos ao luxo de abandonar princípios basilares da Justiça, impomos não uma vitória contra o erro, mas derrota ao Estado Democrático de Direito.

Em um País onde já se instaurou, na prática, o "crime de opinião", a carta branca a Moraes será ameaça à democracia muito maior que aquela que o próprio ministro diz combater. Na prática, a censura e a autocensura já são realidades. E exigem firme condenação. Cabe ao Congresso cumprir seu papel, defendendo a liberdade de expressão e evitando medidas antidemocráticas.

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